quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
Humor ou ofensa?
Em uma
entrevista para uma revista de circulação nacional, o humorista Renato Aragão
(Didi), se reportando as piadas discriminatórias realizadas no período do
programa denominado “Os Trapalhões”, afirmou que "Hoje, todas as classes
sociais ganharam a sua praia, e a gente tem que respeitar muito isso. Eu sou
até a favor. Mas, naquela época, essas classes dos feios, dos negros e dos
homossexuais, elas não se ofendiam. Elas sabiam que não era para atingir, para
sacanear".
Refletindo
sobre a entrevista, é importante lembrar que o programa de Renato Aragão teve
seu auge na época da ditadura militar, época de repressão e domínio da censura
as produções artísticas, logo, é de se imaginar que tal programa possuía a conivência
dos governantes de então, pois não há registros que tenha sofrido nenhuma espécie de censura, ou seja, havia
permissão oficial para as piadas sobre negros e gays, que, certamente, serviam
como uma das “válvulas de escape” para o momento político naquele período.
Como não
havia espaços para nenhum grupo se opor as ideias divulgadas na mídia,
inclusive no programa do referido humorista, não há, portanto, nenhum
embasamento para a afirmativa que “os negros e homossexuais não se ofendiam”,
se verificando que tais grupos e outros que sofressem ofensa e injúria se viam
obrigados aceitar o fato de serem massacrados semanalmente através de um humor preconceituoso.
Não se
pode esquecer que o período referenciado por Didi corresponde aquele em que
atores e atrizes de cor negra tinham espaços limitados nas produções artísticas
da televisão, só sobrando interpretações de papeis como escravos, porteiros e
empregados domésticos, demostrando a existência uma cultura preconceituosa na
mídia, que eram mantidas em programas humorísticos como os Trapalhões e outros semelhantes.
A
entrevista mostra que a problemática histórica do preconceito e da discriminação
dos meios de comunicações do Brasil ainda necessita de ações concretas para
serem superadas, pois, atualmente, com o argumento de “liberdade de imprensa e
de expressão”, algumas pessoas defendem que podem continuar fazendo piadas com cunho de racismo, homofobia, xenofobia, machismo e intolerância religiosa, afirmando que o autodenominado “humor politicamente correto” impede
a criatividade do artista.
Vê-se,
então, uma situação aberrante, pois aceitar tal “liberdade de imprensa e de
expressão” nos leva aceitar que determinados grupos sociais, geralmente,
excluídos socialmente, continuem sendo objeto de um humor sujo e sem ética,
construído sem respeito a dignidade e ao valor humano.
É importante
registrar a ideia defendida por Austro Queiroz, fundador do Movimento Phenix,
amigo deste blogueiro e que faleceu em 2012, o qual afirmava que se a pessoa
que fosse objeto de uma greia não risse com a brincadeira, a mesma não teria
sentido e perderia seu objetivo, cabendo, então, perguntar: Será que Mussum ria
das piadas de Renato Aragão?......
Deve se
ressaltar que a regulação da mídia certamente contribuiria para minimizar esta
situação, porém só com mudanças concretas da forma de agir da população se dará
passos concretos para derrubar as barreiras do preconceito e discriminação
ainda mantidas por alguns segmentos sociais, como por exemplo, no tocante a questão
racial.
A
entrevista oferece a oportunidade de refletimos sobre a defesa do autor de ação
racista, que é, geralmente, afirmar que “tudo não passa de um engano, que não
quis efetuar ofensa racial e que tem até amigos negros”, devendo se destacar
que a sutileza do racismo no Brasil dificulta sua identificação, pois não
ocorre de forma direta, se apresentando camuflado.
Assim
como os negros e negras, outros grupos discriminados passam por situação
semelhante, havendo necessidade urgente de se rever práticas, abrindo
discussões sobre o tema em diversos esferas de relacionamento, como família,
escola, igreja, trabalho, pois só uma nova sociedade brasileira só será
construída, caso haja mudanças de posturas das pessoas, se respeitando o
semelhante pelo que ele(ou ela) é e não por aquilo que queremos que seja, nos
transformando em uma sociedade tolerante e verdadeiramente democrática.
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